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.:: Entrevista a Vera Marmelo PDF Print E-mail
por Helena Miranda
Vera_Marmelo "O que eu gosto mesmo é de música. Gosto de ir aos concertos, de estar presente no 'sound-check', de fazer parte do movimento (risos). A fotografia foi uma coisa que cresceu por causa da minha ligação à música e aos amigos."
Vera Marmelo

Quando começaste a fotografar músicos?
Os Frango foram os primeiros, mas ainda não estava a valer. Às vezes saía à noite com a máquina e fotografava os concertos deles.
Oficialmente, comecei em Dezembro de 2006 no Outfest, um festival no Barreiro organizado por uns amigos meus. Fotografei a malta toda do 'noise', inclusive os Frango, e conheci o Tiago Sousa, da netlabel Merzbau. Comecei a ir aos concertos que ele organizava, das bandas da editora. As pessoas que me acompanhavam passaram progressivamente a ser os músicos e, muitas vezes, ficava sozinha. Fotografar começou também por ser ocupar esse tempo solitário a documentar o que via.

Fazes ideia de quantos concertos já passaram desde que começaste?
Vou a concertos duas ou três vezes por semana, desde final de 2006. É só fazer as contas.

Tens um olhar privilegiado sobre o percurso das editoras Merzbau e FlorCaveira. Para além das editoras, quais são os pontos comuns dos músicos que fotografas?
Tudo começou pela ZDB, a cena 'noise', os primeiros tempos do Pedro Gomes. Houve um grande 'boom' em 2006 de músicos como os Frango, Afonso Simões, Gala Drop e Tiago Miranda, dos Loosers. Tinham influências muito óbvias lá de fora. Ganharam visibilidade porque se mexeram, porque acharam que toda a gente merece expôr o seu trabalho, por mais estranho que pareça. As pessoas ligadas ao Outfest, por exemplo, são amigos por essa necessidade de mostrar a diferença. Sofrem muitas influências e por isso mesmo não os posso unir a nada em especial. Há trabalhos muito distintos uns dos outros. A recentemente extinta Merzbau tinha no seu catálogo os Lobsters e, ao mesmo tempo, muitos cantautores. Uma coisa comum é que ninguém tem dinheiro para grandes estúdios. Toda a gente começou por gravar em casa. O máximo que os músicos fazem é alugar uma sala no Espaço Interpress do Bairro Alto. A maior parte não quer estar ligado a editoras, porque além de ser muito difícil, tem-se menos liberdade. Então a decisão de se gravar em casa, quer por ser ter mais liberdade, quer por ser mais fácil, foi ficando óbvia. Há uma grande facilidade em produzir-se e divulgar-se música ou o que quer que seja, hoje em dia, muito por causa da internet. Ninguém veria as minhas fotografias ou saberia o meu nome, se não fosse o meu blog e o myspace. E eu não conheceria metade das pessoas que conheço. Em relação aos músicos é a mesma coisa. O myspace é a melhor coisa que lhes aconteceu, nos últimos tempos. Hoje em dia, se tens um computador, fazes tudo.

A produção caseira é mesmo uma opção?
O facto de ser 'lo-fi' não é propositado. É porque não tinham dinheiro, quando começaram. Nenhum deles negará que seria bestial poder gravar num sítio com melhores condições, num grande estúdio. Mas acredito que a facilidade e a rapidez com que se fazem as coisas de uma maneira mais crua, acaba por se transformar numa imagem de marca.
Nas músicas não há orquestração. São só eles e uma guitarra ou um piano. E quando não são muito bons a mostrar isso, é o desespero total. Quando as coisas correm mal, é mesmo mau, porque a exposição do músico que enfrenta um público com uma guitarra desafinada, um microfone muito manhoso e um PA muito mau, é muito grande. As coisas tornam-se pessoais. Daí todo esse foco no “Eu” e no facto de cada músico ter de ser também um grande 'performer' (muitas vezes com uma guitarra quase sem cordas).

Que tipo de pormenores tentas realçar nas tuas fotografias e quais as pontes que fazes entre este som cru e os pormenores que realças?
É muito menos trabalhoso fotografar concertos em que há apenas um músico em palco. E também é muito mais fácil fotografar num sítio onde conheço o técnico de luzes e posso assistir ao 'sound-check'. Em palcos pequenos e baixos é muito simples apanhar expressões de rosto e pormenores vários da personalidade. Especialmente se os músicos se mexerem muito.

Mas o que te interessa captar? Vamos falar do Samuel Úria, por exemplo.
O Samuel Úria mexe-se muito. É um grande achado. E já sabes o que vai fazer em cada música, a sequência. Já o conheço bem. No entanto, a parte que me dá mais gozo não é o 'feedback' dos músicos. Eles gostam sempre, porque ficam giros. O que é bom é teres 'feedback' de fotógrafos. Infelizmente, só me dou com músicos (risos).
É completamente diferente se já conheceres as expressões de alguém. É isso que me dá gozo. O Samuel Úria é muito expressivo: é muito de fechar os olhos, esticar a cabeça, esticar o pescoço, puxar a guitarra. Eu consigo fazer umas 50 fotografias da mesma pessoa com as mesmas luzes e achar que pelo menos umas 20 têm qualquer coisa de interessante.

E em palcos grandes?
Quando vou para palcos maiores, não apanho tudo. Para mim deixa de ser tão interessante. Ainda não comprei a lente que precisava. Mas não é só por isso. Mogwai foi o primeiro concerto grande que fotografei. Um grande desastre. Eles tinham muito fumo no palco. Não deu para fazer nada de jeito. Além de que essas bandas grandes são fotografadas por toda a gente. E por fotógrafos com material muito melhor do que o meu.

Quais são os teus fotógrafos favoritos?
Eu não conheço muitos fotógrafos. Dentro dos poucos 'workshops' de fotografia que fiz, houve um ou dois professores que me mostraram nomes. Uma vez disseram-me que a melhor maneira de se ser um bom fotógrafo é fotografar, fotografar, fotografar e ver muitas coisas de outras pessoas, para se ser crítico e perceber-se aquilo de que se gosta e aquilo que não se quer fazer.

Do que é que não gostas e do que é que gostas?
Sou muito limitada. Não gosto de tirar fotografias de férias. Não me entusiasma fotografia de paisagem ou de animaizinhos, tipo National Geographic. De arquitectura posso achar interessante, mas só em casos muito específicos. Cenas do quotidiano, depende um bocado. Gosto das fotografias a preto e branco, do Bresson, por exemplo, que eram distantes mas ao mesmo tempo muito próximas, onde se registavam olhares etc. Mas eu não compro revistas de fotografia, só de música, como a Uncut ou a Wire, onde eventualmente há muito bom material da área. Há, no entanto, duas fotógrafas que admiro muito: A Lauren Dukoff, que tem 24 anos e, como eu, também fotografa músicos, e a Annie Leibovitz, mas nos tempos em que fazia digressões com os Rolling Stones. Agora faz grandes produções para musicais.

Muitas fotografias tuas foram publicadas na imprensa. Estás a fazer exposições. Identificas mais o teu trabalho com o fotojornalismo, a fotografia artística ou a documental?
Eu não tenho formação nenhuma em fotografia. Fiz uns 'workshops' equivalentes a cursos rápidos de culinária, química pura, onde aprendi a revelar, mas depois tive de ir para casa sozinha explorar as coisas.

Ninguém está muito interessado nisso...

As minhas coisas apareceram publicadas, essencialmente porque os jornais não têm dinheiro para mandarem fotógrafos a todos os concertos e muitas vezes recorriam ao meu trabalho. Até finais de 2008 fiz tudo em filme. Sempre que chegava a casa de um concerto ia revelar os rolos até às quatro da manhã. No dia seguinte passava três horas a digitalizar as fotos. Era insustentável e acabei por comprar uma máquina digital. Foi a única forma de conseguir dar vazão a todo o trabalho que tenho actualmente. Mas isto não é fotojornalismo, de todo. Documental? Daqui a uns anos, provavelmente. Vai dar para revisitarmos estes tempos, quando formos mais velhos. Artístico… hm, não sei, algumas das fotografias podem ter aspectos mais interessantes… há uma do Pedro Gomes que acho que é especialmente artística. A exposição que eu fiz no Outfest, por exemplo, era visualmente muito mais coerente que esta. As imagens eram a preto e branco e não sabias ao certo situá-las. Se era um concerto, se era um rosto, se era uma guitarra. Aquilo não era fotojornalismo. Era uma coisa um bocadinho mais especial, sem objectivo informativo.
Nesta exposição há algumas fotografias que me atraem dessa maneira: uma do Tiago Sousa, outra do Norberto, outra do B Fachada... mas, no geral, esta exposição é muito mais documental. Agora pedires-me para me encaixar só numa dessas categorias… (risos)

Vi uma fotografia tua que saiu na Time Out de Nova Iorque, da Julianna Barwick. Como aconteceu essa história?
Tenho fotografado alguns músicos estrangeiros, até porque vou a concertos, como toda a gente. Mas a Julianna veio a Portugal, porque conhecia o Panda Bear (dos Animal Collective) e queria que o Sérgio Hydalgo (programador musical da ZDB e autor do programa de rádio Má Fama) a entrevistasse. Acabaram por se organizar alguns concertos dela cá (pelo Tiago Sousa e pelo Sérgio). No entanto, o Tiago teve de ausentar-se e eu e o Sérgio é que ficámos responsáveis.
Conhecemos a Julianna no dia em que chegou a Lisboa e passámos uma semana juntos. Ficámos bons amigos e depois eu e o Sérgio fomos visitá-la a Nova Iorque. Como ia dar concertos, um jornalista da Time Out pediu-lhe fotografias e ela quis que eu lhas tirasse. Passado três meses, mandou-me a revista onde uma delas tinha sido publicada.

Fazes comparações entre a música portuguesa e estrangeira que ouves?
É óbvio que eu gosto de muita música de lá de fora e ouço-a todos os dias. E não ouço todos os dias o B Fachada, ou nenhum dos músicos que fotografo.
Por exemplo, conheci o Jónatas Pires através dos Pontos Negros e ele começou a mandar-me a sua música pela internet, com a Miriam a cantar e imensas referências a Arcade Fire. Quando assisto a um concerto do Jónatas, que tem músicos portugueses a tocar e nem sempre é perfeito, penso muitas vezes: "Que músicas tão bonitas… vi isto a crescer, eu gosto mesmo, etc." E vejo o concerto com a consciência plena de que são os meus amigos. Depois vou assistir a Arcade Fire e penso: "Quando é que há uma banda em Portugal que consiga fazer isto, que tenha esta dimensão em palco, com esta energia? Bolas, isto nunca vai acontecer cá." Ou, como quando assisti a um concerto de Dirty Projectors na ZDB, e concluí: "Não há ninguém cá que me entusiasme tanto." E vi os High Places em Lisboa, na véspera do meu aniversário, mesmo lá à frente, depois de os ter visto em Brooklyn, e pensei: "É a mesma crueza, mas cá ainda não existe nenhuma banda que me entusiasme tanto. Mesmo o Jónatas, que tem aquelas músicas todas de que eu gosto tanto, nunca vai ser tão avassalador e brutal como estas bandas estrangeiras."
Só que, na realidade, é provavelmente tão brutal como os que vêm de fora, só que os outros, por virem de fora, parecem inatingíveis e espectacularmente bons. É que estes músicos de cá, são ao mesmo tempo os meus amigos e às tantas deixo de pensar que além de meus amigos, também são músicos conhecidos.
Mas depois, quando vou, por exemplo, a um concerto dos Pontos Negros, e vejo as miúdas eufóricas, fico com a sensação de que embora para mim isto não seja uma cena muito grande (uma vez que estou metida no meio dela), é grande para quem vê de fora (risos). Claro que não tem a dimensão das grandes bandas de culto, mas é um fenómeno que diz muito a muita gente e que me é muito próximo.

Conta-me a tua ida a Brooklyn.
Fui a Nova Iorque em Maio de 2008, na sequência da Julianna ter vindo cá em Outubro de 2007, quando a cena de Brooklyn começou a aparecer aos nossos olhos.
Fui com o Sérgio Hydalgo, uma pessoa com quem eu partilho o entusiasmo por ouvir bandas novas. Lembro-me perfeitamente de, quando entrei no avião e, ainda com oito horas de voo pela frente, ter pensado: "Não há ninguém, neste momento, com quem mais me apetecesse fazer esta viagem." O Sérgio andava a ouvir as mesmas coisas que eu e a olhar para a música da mesma maneira.
Chegámos a Nova Iorque, metemo-nos num táxi, passámos a Brooklyn Bridge, e imediatamente começámos a reconhecer os cenários: "aqui foi onde o Devendra gravou o video tal, este mendigo que agora está ali sentado também aparecia no video, etc." (risos).
E, de repente, a realidade começou a transformar-se numa coisa muito estranha, muito próxima. Uma coisa do género "a Meca existe e esta é a nossa Meca musical." E dei-me conta de que, se calhar, essa Meca também existe em Lisboa.
Brooklyn é um sítio feio, com casinhas. O rio Hudson separa Brooklyn do resto, como o Tejo separa o Barreiro de Lisboa. Ao fim do dia estão putos na rua, a apanhar sol. Aquilo não é nada de especial e está cheio de artistas, músicos, actores. Toda a gente vai para lá convencida de que ali vai acontecer alguma coisa. É uma 'cidadezeca' onde só há uma loja de material de música, muitas lojas de discos, é verdade, mas, por exemplo, não há uma única loja de fotografia, nem uma loja de material de pintura. Aquilo é uma zona habitacional de rendas baratas e, inicialmente, foi a razão económica que justificou a grande concentração de artistas. Essa grande concentração faz com que aconteçam coisas insólitas: num dos dias dei por mim num estúdio com os TV On The Radio a ouvir o álbum novo que sairia apenas daí a quatro meses. Ou noutra ocasião, o Chris Taylor dos Grizzly Bear passou por nós na rua. Na mesma rua onde, por exemplo, mora o Zack Condon (dos Beirut). O Sérgio acabaria por ir a casa do Chris entrevistá-lo. Casa essa que já tínhamos visto numa revista (risos).

Fotografaste os músicos de Brooklyn?
Não me apeteceu nada. Não era o meu propósito.

E quando voltaste?
Tudo baixou à terra. Todas aquelas bandas que estavam lá, muito ao longe, e que na melhor das hipóteses eu poderia ver a actuar num festival qualquer, tornaram-se reais. Eu cheguei cá e tive a sensação de que ou conhecia pessoalmente os músicos que ouço, ou então já os tinha visto a tomar café ao meu lado.

E as bandas portuguesas?
Continuaram no mesmo sítio.

Por que é que não fotografaste a tua "Meca musical"?
Há situações em que não fotografo as pessoas. Deu-me mais gozo conviver com o Kyp Malone, de quem já era amiga, do que estar a fotografá-lo.

Actualmente há muitas bandas e músicos novos a abordarem-te para os fotografares. Como consegues preservar o entusiasmo inicial?
Toda a gente me convida para concertos. Se eu às vezes me esqueço da máquina, as pessoas comentam. Ultimamente, se não me apetece fotografar, acabo por não ir.
Muito importante é continuar a ter o 'feedback' sincero dos meus amigos de sempre. Acho que eles também esperam o mesmo de mim.

Já pensaste experimentar outros tipos de fotografia?
Nem pensar. Eu não me quero afastar, não é isso que me dá gozo. O que eu gosto mesmo é de música. Gosto de ir aos concertos, de estar presente no 'sound-check', de fazer parte do movimento (risos). A fotografia foi uma coisa que cresceu por causa da minha ligação à música e aos amigos. Algumas pessoas dizem-me que eu tenho de escolher entre a engenharia civil, que é o meu emprego, e a fotografia. Mas será que têm razão? Não vejo as coisas assim.  As coisas vão acontecendo porque se vão fazendo. Não há nenhum plano, nenhum objectivo específico. A minha fotografia tem crescido no sentido em que os músicos que fotografo têm crescido e dão visibilidade ao meu trabalho.