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.:: Uma Irmandade ao serviço da história da música PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Entrevista a Luciano Franco por Helena Miranda
Irmandade de Santa Cecília de Lisboa Com mais de 400 anos de história, a Irmandade de Santa Cecília de Lisboa foi uma associação de classe profissional que teve, durante 231 anos (até ao advento do liberalismo), um papel regulador da actividade musical no distrito de Lisboa. Continua, contudo, a ser a guardiã de um arquivo importantíssimo para o estudo da actividade profissional dos músicos na capital portuguesa, nos séculos XVIII e XIX. A propósito da mostra expositiva «Irmandade de Santa Cecília de Lisboa: Olhares Sobre um Arquivo», que está patente no Museu da Música até dia 3 de Abril, entrevistámos Luciano Franco, um dos Irmãos mais activos da instituição.

Santa Cecília, eleita padroeira dos músicos pelas corporações de Paris e de Roma, no século XVI, deu nome, em 1603, à Irmandade dos músicos de Lisboa. Esta instituição, à semelhança das restantes irmandades dos ofícios, foi concebida como uma associação de classe profissional e teve, durante 231 anos, um papel regulador da actividade musical no distrito de Lisboa.

Com o processo de laicização, no século XIX, caiu o poder efectivo das irmandades e emergiram as mutuais. A partir de 1834, e no seio da Irmandade, foi criado, paralelamente, o Montepio Filarmónico, uma proto-seguradora de origem laica, com propósitos sociais, que chegou até aos nossos dias. É a mutual mais antiga do país e festejou o seu 175.º aniversário em 2009. A classe de músicos que sobreviveu a ela associada foi essencialmente a dos músicos das bandas filarmónicas e militares. São eles os guardiões de um arquivo importantíssimo para o estudo da actividade profissional dos músicos na capital portuguesa, nos séculos XVIII e XIX.

As memórias dos herdeiros deste património foram construídas numa fusão entre os factos históricos da irmandade e os da mutual. É um legado transmitido pela via oral, cada vez mais longe dos acontecimentos, mas que reflecte o peso histórico desta associação.

Entrevistámos Luciano Franco (um dos Irmãos mais activos da instituição, que exerce actualmente a função de Tesoureiro do Montepio Filarmónico), a propósito da mostra expositiva «Irmandade de Santa Cecília de Lisboa: Olhares Sobre um Arquivo», que estará patente no Museu da Música até dia 3 de Abril:

Fale-nos um pouco da sua actividade como músico.
Comecei com 11 anos numa filarmónica, a exemplo de muitos músicos deste país, em Fanhões no concelho de Loures. Depois, com 19 anos, fiz as provas de admissão à Banda Sinfónica da Guarda Nacional Republicana, e foi assim que ingressei na sua orquestra sinfónica, em 1975. Estive lá 30 anos. Pontualmente, como muitos dos meus colegas, participei noutras orquestras, como na da RDP e na do S. Carlos. Essa foi a minha actividade profissional como instrumentista em Tuba.

E como é que se viu envolvido com a Irmandade de Santa Cecília?
Tive um colega que era o director da Irmandade de Santa Cecília e que a determinada altura, com o meu ingresso na Banda da Guarda Nacional Republicana, me convidou a tornar-me Irmão. Em 1982, tornei a minha presença efectiva, nas duas instituições (na Irmandade e no Montepio). E depois, em 1992, convidado pelo maestro Silva Dionísio, que tinha sido Chefe e Sub-Chefe da banda da Guarda, passei a exercer funções numa e noutra instituição e já lá vão 20 anos. Nestes 20 anos já desempenhei várias funções, entre as quais, a de director. Neste momento, sou Tesoureiro do Montepio Filarmónico. Por consequência de todo o trabalho que tenho desenvolvido ao nível da Irmandade sou, por vezes, convidado a desempenhar algumas funções, embora não faça actualmente parte dos corpos directivos. Devido ao meu acompanhamento, nomeadamente na disponibilização do acervo, sou solicitado quase permanentemente.

Em que consiste esta Irmandade?
Esta Irmandade tem um cariz mais profissional do que vocacional. Há registos que a datam de 1603, embora com o terramoto de 1755 toda a documentação tenha desaparecido. É uma história longa que eu não me atrevo a contar. Os historiadores e investigadores saberão muito melhor que eu. No entanto, posso dizer que foi muito importante a ajudar os músicos, nas suas dificuldades, quer de saúde, quer económicas. No passado (séculos XVIII e XIX), ajudou a regularizar o mercado de trabalho, tendo tido um papel fundamental nas várias orquestras que existiram em Lisboa. Foi-lhe dado esse estatuto através de um alvará régio, que permitiu que a Irmandade tivesse uma visibilidade e um protagonismo que infelizmente deixou de ter. Nenhum músico profissional tocava sem dar conhecimento à instituição. Tinham, aliás, de estar ligados a ela e pagar uma percentagem.

A Irmandade de Santa Cecília deixou de ter capacidade para desempenhar a função de solidariedade e mutualista, que era o que vinha fazendo, e foi então criado o Montepio Filarmónico, em 1834, que veio cobrir as dificuldades da Irmandade no que diz respeito à solidariedade social, ao apoio médico e às dificuldades económicas dos músicos. Embora juridicamente sejam duas instituições distintas, em termos funcionais confundem-se, porque os Irmãos de Santa Cecília são simultaneamente sócios do Montepio. Até há bem pouco tempo havia a obrigatoriedade de quem pertencesse a uma tinha que pertencer à outra. Hoje em dia, e por força do novo estatuto que teve de se adaptar à legislação, já não é forçosamente assim. Quer uma instituição quer outra têm passado por fases de grande protagonismo e, como agora, de algum esquecimento.

Quais foram os tempos áureos?
No século XIX a Irmandade de Santa Cecília tinha um grande protagonismo, quer na regulação da vida profissional dos músicos, de que já falámos, quer na celebração das festas de Santa Cecília, que tinham um brilhantismo ímpar. No dia da padroeira, 22 de Novembro, a Basílica dos Mártires (sede da Irmandade) enchia, e a maior parte das vezes, não chegava para albergar tanta gente. A rua Garret ficava cheia de pessoas. Eram famosas as actuações das orquestras que participavam nas celebrações.

Quais os rituais que ainda se mantêm?
Hoje em dia continua a celebrar-se a missa do dia 22 de Novembro. Temos tido também, de há uns seis anos para cá, a colaboração da Orquestra da Fundação Musical dos Amigos das Crianças, que celebra também neste dia uma missa e se junta connosco na Basílica dos Mártires.

Temos muitos Irmãos músicos, claro, e em tempos compuseram-se orquestras para tocarem na missa, ou pagou-se a pequenos grupos, mas actualmente isso não se passa, também porque a Irmandade tem poucos recursos económicos.

A prática musical associada directamente à Irmandade é actualmente nula?
Sim, é.

O que significa então serem actualmente os portadores do facho?
Tem um significado histórico e simbólico. Mas o mais importante é que a Irmandade tem um acervo riquíssimo e a obrigação de o preservar.

Em que consiste esse acervo?
Por força da intensa actividade reguladora da Irmandade, no passado, muita coisa ficou registada. E a leitura e interpretação destes documentos permite retratar, de forma fidedigna, os movimentos dos músicos profissionais que tocaram em Lisboa e zonas limítrofes (Mafra, Sintra, Tojal…), desde o terramoto (pois perderam-se os documentos anteriores), até princípios do século XIX: onde tocaram, o que tocaram, onde pernoitaram, onde comeram, o que comeram, etc. Consegue-se fazer investigação sobre diversos pontos de vista durante este período, dada a riqueza da informação do nosso acervo. São milhares de documentos.

E como deve proceder um interessado em estudar este vosso património documental?
O acervo está disponível para todas as pessoas que o queiram consultar. Sem excepção. Há, claro, regras ditadas pela direcção da Irmandade, como em todas as bibliotecas há regras que se têm de cumprir. Hoje em dia temos o arquivo bem organizado, graças ao professor Joseph Scherpereel, que dedicou muitos anos à organização do acervo. Em 5 minutos consegue-se encontrar o que antes poderia levar anos, tal era a desorganização.

Então o acervo está mais consultável que nunca?
Exactamente. E há registos de muitos músicos conhecidos: Franz Liszt, Domingos Bomtempo, Conde de Redondo, Conde de Farrobo, Lambertini…

E onde é que o interessado em estudá-lo se deve dirigir?
À Basílica dos Mártires, no Chiado. Estamos lá às 2.as e 5.as feiras, à tarde. É a nossa sede desde 1787. É lá que são as nossas instalações. Se alguém quiser contar uma boa história da música portuguesa que contemple o século XVIII e inícios do XIX, terá obrigatoriamente que consultar o nosso acervo, senão não está a contar a história toda.

Quantos sócios e Irmãos são actualmente?
Neste momento somos 160 (dado que quase sempre um sócio do Montepio Filarmónico é também Irmão de Santa Cecília). Nunca estas duas instituições tiveram uma grande massa associativa, no entanto, durante o período em que a Irmandade regulava a vida profissional dos músicos, estes tinham obrigatoriamente de pertencer à Irmandade de Santa Cecília, e então éramos muito mais.

Quais são os princípios que regem esta Irmandade?
Professar a religião católica. Embora não se trate de uma irmandade exclusivamente devocional, um dos princípios é esse. Outro dos requisitos é participar nas assembleias e pagar o Anual. Ser uma pessoa de princípios e valores. Hoje em dia já não é obrigatório ser músico para ser Irmão, só é preciso isso para pertencer ao Montepio. Pode-se ser Irmão só por devoção.

Mesmo assim, a entrada na Irmandade é por convite. Como é que um músico ou um interessado se pode vincular?
Para alguém ser Irmão tem de ser proposto, mas não é difícil. Basta ir à sede e pedir o patrocínio.

Quais são os planos da Irmandade para o futuro?
Embora eu não seja o seu director, acho que o maior objectivo que a Irmandade poderá ter é preservar este património documental para que toda a gente o possa consultar. Outro dos objectivos é, claro, captar mais pessoas para o seio da Irmandade, dar-lhe mais visibilidade e desenvolver também a sua parte vocacional. Seria também desejável que a Irmandade de Santa Cecília tivesse um papel mais activo na vida da Paróquia.

Em relação a esta exposição, há algumas peças que queira salientar?
Todas. Um dos cadeirões que está aqui em exposição servia para o Bispo assistir à missa duma janela duma sala contígua ao altar-mor. A escultura de Santa Cecília, que é do século XVIII, é muito bonita, e nos dias de festa ostenta uma palma e um resplendor de prata. Está normalmente exposta na Basílica dos Mártires, em altar próprio, propriedade da nossa Irmandade. Temos também o relicário de Santa Cecília. E os livros, que cada um à sua maneira, contam a nossa história. Há um deles que explica como se deveria montar um palco sobressalente para a orquestra de músicos que tocava no dia da missa de Santa Cecília e que nos tempos áureos nunca cabia no coro alto.